“Gravaram o assédio e fui parar em um site pornô”, diz adolescente

Delegacia da Mulher de São José dos Campos investiga o caso, que tem sido recorrente no transporte público da cidade. Veja como denunciar

“O ônibus estava muito vazio e tinha muito espaço disponível, então quando esse homem ficou de pé perto de mim, eu já estranhei.”

A fala de Bárbara* pode parecer comum para muitas mulheres que pegam o transporte público com frequência. No entanto, a jovem não tinha ideia de que o homem que a observava também a filmava. Meses depois, viu seu rosto como protagonista de uma publicação em um site pornô.

O caso aconteceu em São José dos Campos, cidade do interior de São Paulo, mas aquele início de tarde no dia 30 de novembro de 2019 tinha ficado apenas na memória da garota. Na época, ela estava indo para um curso e, ao perceber a aproximação estranha do homem de meia idade, percebeu que ele estava excitado e que tentava se aproximar.

“Ele tentava se aproximar de mim, e eu me afastava. Eu estava tão constrangida que só fiquei olhando pra qualquer lugar, evitando contato visual com ele. Uma hora, me levantei para pegar meu celular porque queria tirar uma foto do rosto dele. Ele ficou agitado e desceu do ônibus na hora. Acho que percebeu o que eu queria fazer”, conta a adolescente de 17 anos.

Na segunda-feira 28, porém, Bárbara recebeu uma imagem de um colega que a reconheceu em um vídeo que circulava na internet. O choque foi grande, e a adolescente buscou ajuda nas redes sociais para saber o que fazer: “Estou sem chão, não tenho psicológico para lidar com isso. Por favor, me ajudem a divulgar o ocorrido”, relatou no Twitter.

“Eu fiquei muito assustada, e pensei em divulgar primeiro nas redes porque fiquei com medo de chegar na polícia e não dar em nada. Se a mídia soubesse, poderia criar uma pressão em cima disso.”, relatou Bárbara em entrevista a CartaCapital.

 

Terra sem lei?

Para Marina Ruzzi, advogada especializada no Direito das Mulheres, o caso de Bárbara demonstra como a internet é terreno fértil para crimes que atentam contra os direitos de imagem, privacidade e honra. Mesmo assim, ela destaca a importância da denúncia – seja o autor do vídeo conhecido ou não.

“Nesse caso, a vítima não tinha conhecimento de quem foi que divulgou, porque é uma pessoa desconhecida. Isso não a impede de fazer um boletim de ocorrência, porque a polícia tem mecanismos para ir atrás da identidade dessa pessoa.”, explica a advogada. “A mulher pode ir na Delegacia da Mulher ou na Delegacia de Crimes Cibernéticos, que também está acostumada a receber esse tipo de crime”, diz Ruzzi.

Para realizar o B.O., a vítima não precisa levar provas do crime cometido, mas a advogada recomenda que se guardem as URLs de onde o conteúdo foi encontrado, além de prints das telas para mostrar todos os procedimentos adotados.

Um deles é solicitar ao provedor do site a retirada do conteúdo ilegal – o que pode ser feito por conta do Marco Civil da Internet, que estabelece que qualquer pessoa pode alegar quebra de direitos autorais caso veja uma foto ou vídeo pessoal divulgado sem consentimento.

No Brasil, a organização SaferNet oferece um sistema de denúncia que gera um formulário enviado para a Polícia Federal e para o Ministério Público. Todos os procedimentos feitos a fim de derrubar a divulgação das imagens pode ser apresentada à polícia posteriormente, conforme a abertura de um inquérito policial.

O caso de Bárbara, porém, é um exemplo ainda mais grave no cenário dos crimes virtuais: o assediador filma uma garota menor de 18 anos. No print publicado pela jovem nas redes sociais, o fato de ela ser menor de idade chega a ser ressaltado com a tag de “adolescente” no site pornô.

Somente em 2018, a SaferNet relata ter recebido 57.816 denúncias anônimas de pornografia infantil, envolvendo 23.627 páginas (URLs) distintas. Cerca de 2.300 páginas foram removidas.

“O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) prevê que a pornografia infantil é um crime gravíssimo. No caso dessa menina, estamos diante da divulgação da imagem íntima não consentida, crime pelo Artigo 218-C do Código Penal”, diz Marina Ruzzi. A pena pode variar de 1 a 5 anos de prisão.

“Porém, se eu mandei uma foto para o meu namorado porque eu quis e ele colocou em um site pornô sem o meu consentimento, então houve uma violação e isso é crime também”, acrescenta Ruzzi.

Bárbara compareceu à delegacia com os responsáveis e, na terça-feira, abriu um boletim de ocorrência. Nas redes sociais, a jovem recebeu, além de apoio, mensagens com mais exemplos de meninas e mulheres filmadas pelo mesmo usuário do site pornográfico.

Ela também compartilhou as orientações que recebeu na delegacia: “Tire foto do rosto. No mesmo dia, vá à delegacia fazer um B.O, porque as filmagens dos ônibus ainda não foram apagadas. Juntando as filmagens e checando os passageiros do dia, PEGAMOS O CULPADO!”, escreveu. Até o fechamento da reportagem, a publicação de denúncia da jovem tinha mais de 220 mil interações no Twitter.

“Tomou uma proporção que eu não imaginava. Primeiro eu senti vergonha, vergonha de saberem que era eu. Agora, eu acho que quem tem que ter vergonha é o homem que fez isso.”, disse a adolescente.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública afirmou que a Delegacia de Defesa da Mulher de São José dos Campos instaurou um “inquérito para investigar as autorias dos crimes” e apontou a prisão de um suspeito, que foi preso em flagrante no dia 29 de janeiro de 2020 por ter cometido crime semelhante. “As vítimas estão sendo chamadas na delegacia para fazer o reconhecimento”, acrescenta a nota.

Bárbara conta que uma advogada se voluntariou para ajudá-la com os próximos passos. Com o suporte da família, ela tenta encarar o episódio, agora, como uma oportunidade de ampliar a necessidade da denúncia. “Essas informações mudaram a minha vida e eu quero que mudem a de vocês também”, escreveu nas redes.

*O nome da vítima foi ocultado para preservar sua identidade.

Fonte: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/gravaram-o-assedio-e-fui-parar-em-um-site-porno-diz-adolescente/

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